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Mediação na empresa familiar



Segundo uma pesquisa de 2014 realizada no Brasil 35% dos membros de grandes empresas familiares entrevistados declararam que o uso de um mediador externo é um dos procedimentos adotados pela família na hora de gerir os conflitos relacionados com os negócios[1]. Este número demonstra que a mediação já é uma opção utilizada pelas empresas familiares em situação de conflito. Em razão da relevância deste tema e suas características peculiares, é importante estudar um pouco sobre os conflitos neste contexto.

Os sistemas familiar e empresarial

A empresa familiar é uma organização, independentemente do número de trabalhadores ou de seu faturamento, na qual um ou vários membros de uma família exercem o controle da sociedade e da direção da empresa, seja em uma posição estratégica ou executiva. Segundo o IBGE, mais de 90% das empresas brasileiras tem o perfil familiar[2].

Em um ambiente como esse existe a intersecção de dois sistemas: o familiar e o empresarial. O primeiro sistema opera de uma forma mais afetiva (amor, amizade, ciúmes, ódio, etc.) e o segundo com uma lógica mais racional (a divisão dos dividendos, a gerência do negócio, a contratação de funcionários, redução dos custos, etc.)

As dinâmicas em cada um destes sistemas também costumam ser diferentes. Em geral, no seio familiar existe a ideia que todos os membros da família são iguais e que estão para se ajudar (um contexto mais de colaboração) o que contrasta com os princípios que regem o entorno empresarial, como da sobrevivência do membro mais forte e do melhor desempenho (um contexto mais competitivo).

Alguns autores apontam que neste contexto existem três círculos de interesses distintos, os relacionados com a família, a propriedade e a gestão do negócio, cada qual com suas normas, valores e estruturas organizacionais diferentes.[3]

Diferentes atores participam deste sistema e podem ocupar papéis diferentes. Existem aqueles que são da família e não são proprietários nem gestores, outros que são da família e são proprietários mas não são gestores, e até mesmo aqueles que são gestores da empresa mas não são da família nem são proprietários e assim por diante[4].

É importante observar isto na hora de tratar um conflito neste ambiente, pois cada pessoa pode exercer uma influência diferente segundo a posição que ocupa em cada sistema e o poder que detém na empresa ou na família.

Os conflitos neste contexto

Os desafios que cada sistema enfrenta também são diferentes. No entorno familiar, os conflitos podem surgir relacionados com o matrimonio, em especial com a incorporação de novos membros na família e com o divórcio, a educação dos filhos, as disputas pessoais entre os familiares, entre outros. Já no entorno empresarial, podem se relacionar com os distintos pontos de vista em relação ao desenvolvimento e expansão do negócio, sobre os investimentos, a necessidade de que os profissionais da empresa sejam competentes, a instabilidade do mercado, a visão sobre o negócio, a divisão dos lucros e dividendos, etc.

Os conflitos afetam as relações familiares e tem um alto custo emocional para os seus envolvidos. No caso da empresa familiar, além do desgaste emocional as disputas podem ter um alto custo econômico já que os conflitos podem afetar o desempenho e funcionamento da empresa. Eles tendem a ter consequências diferentes em cada âmbito. Por exemplo, no entorno familiar, pode levar a ruptura da relação entre as pessoas, a exclusão de alguns membros de determinados eventos e decisões, a dependência e a onipresença do patriarca. Já no entorno empresarial podemos ter como consequência a falta de liderança na empresa, a perda de benefícios e recursos econômicos, a ausência de pesquisa, desenvolvimento e inovação, pouca transparência na gestão, conflitos estratégicos, em especial entre os executivos e os membros da família sócios e acionistas.

Portanto, tudo isto gera muitas situações de conflito que requerem um tratamento personalizado neste contexto especial. Se o objetivo é que a propriedade e a gestão da empresa familiar continuem com os membros da família, é necessário que a família busque gerir as questões importantes de uma forma profissional para poder enfrentar os desafios que a interação desses dois sistemas supõe, a família que funciona com a lógica dos sentimentos e afeto e o empresarial com o capital, a propriedade e o trabalho. A medição de conflitos sem dúvida é um dos caminhos.

A mediação na família empresária

A mediação é um instrumento idôneo para gerir os interesses entre os diferentes membros da família e, em consequência, alcançar acordos satisfatórios que serão incluídos nos instrumentos legais correspondentes (estatuto da empresa, testamento, contrato social ou protocolo familia[5]). Sua idoneidade para ser usada neste contexto é porque a mediação está orientada a conseguir pactos sobre o conflito e a manutenção do relacionamento das partes em disputa. Através da mediação os familiares podem se comunicar, manifestar as suas expectativas e necessidades, acompanhados de um terceiro, o mediador, que facilita o diálogo entre os membros e cria um espaço para que a comunicação seja eficaz e todos tenham a oportunidade de participar de uma forma igualitária.[6]

Por meio da mediação, as partes, juntamente com terceiros que podem apoiá-las, podem trazer ao processo as situações que desejam resolver, desenvolver opções para esta finalidade, levar em consideração as diferentes alternativas e alcançarem um acordo que levará em conta os interesses e necessidades das pessoas implicadas. É um procedimento que enfatiza a responsabilidade dos membros da família ao tomarem decisões que afetam as suas vidas e os negócios familiares e que também oferece a oportunidade de estabelecer um diálogo de uma forma confidencial e colaborativa, baseado totalmente na autonomia de vontade das pessoas.[7]

O mediador nestas questões deve ser neutro e externo e ela pode ser usada para gerir conflitos relacionados com a sucessão, a direção, disputas de poder, decisões sobre os dividendos ou investimentos, os problemas causados pelo divórcio de um dos familiares e até mesmo para resolver questões estratégicas da companhia.[8]

O procedimento

Em um processo de mediação neste contexto, o mediador pode desenhar o procedimento levando em conta os seguintes pontos:

  • Qual o objetivo da intervenção?

  • Quais outros profissionais podem ajudar neste processo?

  • Quais membros da família e outras pessoas envolvidas no conflito devem participar da mediação?

  • Qual o papel de cada membro no sistema familiar e empresarial?

  • Qual o poder de cada pessoa e as relações de poder entre elas?

  • Como serão desenvolvidas as sessões de mediação?

A mediação é um procedimento flexível e o mediador deve adaptá-lo de acordo com o objetivo proposto e a complexidade do caso. É recomendável sempre iniciar o procedimento com entrevistas individuais com os membros da família e pessoas relacionadas, que não necessariamente são membros da família mas podem estar envolvidos com os negócios familiares e serem parte do conflito, para poder selecionar corretamente as partes que vão participar da mediação e prepará-las para o processo. Somente depois dos caucus com os participantes é que se recomenda iniciar as sessões conjuntas, que podem contar com a presença de algumas partes ou todas elas, bem como serem realizadas nos órgãos de governança familiar ou empresarial já existentes, como por exemplo, a assembleia e o conselho familiar[9].

Também pode ser muito importante contar com o apoio de uma equipe multidisciplinar que pode ser composta por consultores de diversas áreas e coaches, por exemplo. Os terceiros devem ser selecionados com cautela pois muitos assessores das partes estão tão envolvidos com a família e os negócios que podem atuar de uma forma parcial e por isso devem ser tratados como partes dentro do processo. É importante lembrar que o papel do mediador é facilitar a comunicação, conduzir o procedimento e ajudar na busca do acordo e as demais tarefas devem ser desempenhadas pelos outros profissionais.

Os acordos obtidos no processo de mediação devem contar com a participação de todos os interessados e serem revisados por todos os assessores e advogados das partes. Eles podem ser incorporados aos protocolo familiar, quando existente, ao testamento, quando se referem a aspectos sucessórios, e até mesmo introduzidos no estatuto ou contrato social da empresa. Alguns acordos podem ser sigilosos e não terem eficácia jurídica mas poderão servir como um pacto pessoal para os membros da família.

Leia também 

Como incorporar a mediação no dia-a-dia da sua organização.

Compliance e mediação de conflitos.

Referências

FUNDAÇÃO VANZOLINI, 95% das empresas familiares são extintas no processo de sucessão à segunda ou terceira geração. Disponível em http://vanzolini.org.br/noticia/95-das-empresas-familiares-sao-extintas-no-processo-de-sucessao-segunda-ou-terceira-geracao/

LASHERAS MAYORAL, Nuria Susana. Mediación en empresa familiar: más allá del protocolo familiar in Revista de Mediación 2014, vol.7, n. 1. Disponível em https://revistademediacion.com/wp-content/uploads/2014/05/Revista-Mediacion-13-6.pdf

PRICEWATERHOUSECOOPERS, Empresa Familiar: O desafio da governança, 2014. Disponível em http://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/setores-atividade/assets/pcs/pesq-emp-fam-14.pdf

VIOLA DEMESTRE, Isabel, La mediación en la empresa familiar in Mediación y resolución de conflitos: Técnicas e âmbitos, 2ª edição, Tecnos, Madrid, 2013.

[1] PRICEWATERHOUSECOOPERS, Empresa Familiar: O desafio da governança, 2014. Disponível em http://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/setores-atividade/assets/pcs/pesq-emp-fam-14.pdf

[2] FUNDAÇÃO VANZOLINI, 95% das empresas familiares são extintas no processo de sucessão à segunda ou terceira geração. Disponível em http://vanzolini.org.br/noticia/95-das-empresas-familiares-sao-extintas-no-processo-de-sucessao-segunda-ou-terceira-geracao/

[3] VIOLA DEMESTRE, Isabel, La mediación en la empresa familiar in Mediación y resolución de conflitos: Técnicas e âmbitos, 2ª edição, Tecnos, Madrid, 2013.

[4] Podem existir sete grupos diferentes de relações entre as pessoas neste contexto: 1 – membros da família, sem trabalhar e ser dono do negócio familiar; 2 – proprietários da empresa, sem trabalhar e ser membro da família; 3 – trabalhador da empresa, sem ser proprietário e membro da família; 4 – membros da família que são proprietários mas não trabalham na empresa; 5 – membros da família que trabalham na empresa mas não são proprietários; 6 – proprietários que trabalham na empresa mas não são membros da família; 7 – proprietários e membros da família que trabalham na empresa.

[5] É um acordo de vontades consensual e desenvolvido pelos membros da família, proprietária de um negócio, com a finalidade de criar um código de conduta que regule as relações entre a família e a empresa. Estabelece os princípios que devem guiar as relações familiares e os negócios. O seu objetivo é deixar claro os papeis de cada membro com relação á família, propriedade e empresa, para que os negócios sejam preservados. Tem um forte caráter preventivo, para evitar brigas no futuro.

[6] VIOLA DEMESTRE, Isabel, La mediación en la empresa familiar in Mediación y resolución de conflitos: Técnicas e âmbitos, 2ª edição, Tecnos, Madrid, 2013.

[7]VIOLA DEMESTRE, Isabel, La mediación en la empresa familiar in Mediación y resolución de conflitos: Técnicas e âmbitos, 2ª edição, Tecnos, Madrid, 2013.

[8] LASHERAS MAYORAL, Nuria Susana. Mediación en empresa familiar: más allá del protocolo familiar in Revista de Mediación 2014, vol.7, n. 1, p. 60/69, disponível em https://revistademediacion.com/wp-content/uploads/2014/05/Revista-Mediacion-13-6.pdf

[9] A Assembleia Familiar é o órgão responsável pela unidade e comunicação entre os membros da família, é um espaço para o diálogo e tomada de decisões sobre os interesses familiares. Nela pode se estabelecer as bases para o protocolo familiar. Pode incluir todos os membros da família, incluindo conselheiros, assessores, consultores e outras pessoas que sejam importantes para a família. Já o Conselho de Família, é o órgão que toma as decisões com respeito as relações entre a família e a empresa (política de contratação, normas de sucessão, etc.) e tem como objetivo garantir a boa convivência familiar, aplicar os princípios e normas do protocolo familiar.

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